Ricardo Marcom

Psicologo clínico e hospitalar, especialista em psicossomática. Professor de Filosofia, Sociologia e Psicologia.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O Valor do Amargo.

Em uma palestra sobre os cuidados no preparo do café, um barista comentava as diversas variedades de qualidade e sabores que um simples cafezinho possa apresentar. É claro que eu não sou um especialista no tema, mas sou um grande apreciador dessa bebida. Por isso acredito que o amargo presente no café, talvez seja o grande responsável pelo seu sabor extremamente marcante e inconfundível. No decorrer do desenvolvimento humano, as experiências consideradas mais “amargas” são as que realmente marcam um individuo não que com as experiências prazerosas isso não ocorra, mas não com tanta intensidade que as experiências de desprazer. Em momentos prazerosos, onde a felicidade predomina em uma experiência, nosso contato com a realidade é muito precário, não observamos a realidade com tanta eficiência quanto em uma experiência de desprazer. É só tentar observar o tempo em uma situação prazerosa, parece que as horas passam muito mais rápido do que em uma situação de desprazer. É como que a felicidade fosse uma espécie de sublimação da realidade, uma fuga da mesma, uma maneira de enganar a nossa percepção frente a um acontecimento. Em experiências cujo sofrimento é mais acentuado, o nosso contato com a realidade está mais intenso, fazendo com que nossa percepção transpareça uma situação de forma mais honesta, sem a distorção da realidade que a felicidade possa nos iludir de uma situação. Enfatizamos uma experiência de desprazer com maior intensidade do que uma experiência prazerosa, exemplo disso é o sentimento de perda, onde aprendemos a conviver com tal evento, mas nunca o superamos, sempre que ocorrer uma experiência que conduza a lembrança dessa perda, os sentimentos inerentes a esse processo retornam. Por isso utilizamos a felicidade para não entrar em contato com essas experiências “amargas”, como um mecanismo de defesa da realidade. Mas são esses eventos que nos fazem olhar a nossa vida de outra maneira, valorizado aspectos que não percebíamos anteriormente ou ignorávamos por algum motivo. O amargo determina um principio fundamental no desenvolvimento de um individuo. É através das experiências amargas que o processo de aprendizagem ocorre com maior eficiência, auxiliando o mesmo em suas interações futuras com o meio e consigo próprio. Assim como o café, o amargo de nossas experiências talvez seja o grande significado de nossa existência.

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